Sucesso de estudo sobre câncer de reto

A oncologista Dra. Anelisa Coutinho explica estudo apresentado na ASCO sobre o uso de medicação que
demonstrou 100% de resposta clínica em um subgrupo específico de pacientes com câncer do reto

Quando se fala de câncer, a maior expectativa é ter medicações eficientes que possam promover a cura dos pacientes acometidos por essa doença. Recentemente os resultados de um importante estudo dominaram a mídia nacional e internacional de forma surpreendente.

Trata-se de um estudo ainda pequeno que avaliou uma medicação chamada DOSTARLIMAB em pacientes com adenocarcinoma do reto localmente avançado, estágios II e III, portadores de uma alteração gênica
especifica: instabilidade de microssatélites ou deficiência de enzimas de reparo do DNA.

A instabilidade de microssatélites (MSI-H) é uma alteração encontrada em menos de 5% dos pacientes com câncer do reto, ou seja, aproximadamente 95% dos pacientes com essa doença não tem essa alteração. Com base em dados de estudos em câncer colorretal e outros tumores, sabe-se que os pacientes portadores de MSI-H são mais susceptíveis a uma forma de tratamento chamada imunoterapia, e o DOSTARLIMAB é uma droga que pertence a essa classe de medicamentos.

Habitualmente o tratamento para câncer do reto localmente avançado é composto de radioterapia, quimioterapia e cirurgia. A ideia dos autores do trabalho que foi apresentado pela Dra. Andrea Cercek no maior congresso americano de oncologia, o congresso da ASCO, ocorrido em Chicago-EUA este ano, foi a de oferecer imunoterapia como tratamento inicial aos pacientes com câncer do reto localmente
avançado, avaliar a resposta após 6 meses de tratamento e somente oferecer as formas padrão de tratamento (radioterapia, quimioterapia, seguidas ou não de cirurgia) caso não houvesse resposta ao tratamento experimental.

A boa surpresa é que houve resposta clinica completa ou seja ausência de qualquer evidência de tumor residual, nos primeiros 14 pacientes avaliados. A expectativa dos autores é ter uma amostra com pelo menos 30 pacientes para este estudo, que continua em andamento. O número de pacientes ainda é pequeno, o tempo de acompanhamento após tratamento ainda é curto (mediana de 6,8 meses), e os
pacientes ainda continuam em observação. Mas sem dúvida esse já é um excelente resultado, que pode efetivamente modificar a maneira de tratar esse subgrupo especial de pacientes portadores de instabilidade de microssatélites, com elevada taxa de resposta e os poupando de efeitos colaterais habitualmente relacionados com o tratamento padrão de radioterapia, quimioterapia e cirurgia.
Hoje, na prática oncológica, já se recomenda a testagem de instabilidade de microssatélites para todos os pacientes portadores de câncer colorretal, tanto para rastreio de uma síndrome genética chamada síndrome de Lynch, como para melhor guiar as escolhas de tratamento, como no caso desse estudo. O teste é simples e largamente disponível em muitos laboratórios de patologia, e é realizado inicialmente
no material de tecido da biopsia tumoral.

A ciência evoluiu e aprendemos a individualizar os tratamentos, identificando o que melhor se adequa para cada paciente e considerando mutações específicas que possam ser alvejadas por drogas direcionadas a essas alterações. A comunidade médica e certamente a população em geral comemoraram esses resultados que representam muito, e podem mudar favoravelmente a perspectiva de tratamento nesse grupo de pacientes, entretanto há de se ressaltar o ainda pequeno número da
amostra do estudo, a previsão de maior tempo de observação dos resultados e o fato de estar aplicado a apenas uma minoria dos portados de câncer do reto.

Anelisa K. Coutinho
Oncologista da AMO DASA
Membro da SBOC, GTG, ASCO, ESMO