26/8/2022
Amamentação previne o câncer de mama?
O oncologista Dr. Ricardo Caponero esclarece as dúvidas sobre a relação entre a amamentação e o câncer de mama.
O câncer de mama é uma doença que pode, em alguns casos, ser prevenida. Essa prevenção, em geral, consiste em remover, o mais precocemente possível, fatores de risco.
Alguns casos dessa neoplasia possuem um componente hereditário de risco. Hoje, conhecemos cerca de 21 genes relacionados ao câncer de mama. Nesses casos, para pacientes elegíveis, cirurgias profiláticas podem reduzir esse risco. Além disso, esse grupo de mulheres podem ser candidatas a exames de rastreamento iniciados quando mais jovens, com exames mais específicos e com menores intervalos.
No entanto, a maior parte das neoplasias de mama não possuem um caráter hereditário. Para estas, fatores ambientais podem ser os mais relevantes. A exposição a tabaco e seus derivados, consumo excessivo de bebidas alcoólicas e diversas substâncias químicas é relevante, tanto quando a exposição aos estímulos hormonais (estrogênicos).
Todas as mulheres produzem estrogênios, mas alguns fatores aumentam sua ação, como a terapia de reposição hormonal e o uso de alguns tipos de pílula anticoncepcional (essas com baixo risco). A reposição hormonal não é proibida, mas deve ser feita com cautela, em pacientes adequadamente selecionadas, pelo menor tempo possível e, o mais importante, com acompanhamento médico.
O ganho de peso, principalmente após a menopausa, também é um fator de risco. A gordura além de armazenar estrogênios, possui uma maior concentração de uma enzima, chamada aromatase. O aumento da composição de massa gorda também contribui para a geração de um estado inflamatório sistêmico, que contribui para um aumento de risco para neoplasias em geral e, particularmente, para o câncer de mama e de endométrio.
Dieta (pobre em gorduras) e exercícios físicos regulares são os dois principais fatores modificáveis para a prevenção do câncer e devem ser iniciados o mais cedo possível (de preferência na infância).
O início das menstruações em menor idade, a menopausa mais tardia, não
ter tido filhos ou ter iniciado a procriação mais tarde e a não amamentação também contribuem
para um maior tempo de exposição aos estrógenos.
A gestação e a amamentação também acarretam estímulos para a maturação das células mamárias para a produção de leite, e esse é um fator de boa diferenciação do tecido mamário
Não indicamos nenhum método para retardar a primeira menstruação ou antecipar a menopausa
como forma de prevenção do câncer. Da mesma forma que não podemos recomendar que as
mulheres tenham muitos filhos, na menor idade possível, com essa mesma finalidade. Essa
medida causa impactos sociais e econômicos muito duradouros.
A amamentação está relacionada com a gestação, obviamente. Há dúvidas em relação
à duração ideal do período de amamentação, a maioria dos pediatras recomenda que ela
ocorra nos primeiros seis meses do bebê, podendo se estender até um ano de idade em
populações mais pobres, com menos recursos para oferecer uma alternativa adequada para a
alimentação da criança. A amamentação é um ato fisiológico e tem efeitos na imunidade do
recém-nascido e no seu desenvolvimento físico e psicológico.
Embora a amamentação contribua para a redução na incidência do câncer de mama,
seu efeito é muito pequeno quando comparado aos outros fatores de risco. Não sabemos o seu
impacto em pacientes com mutações hereditárias e seu benefício é muito pequeno em
pacientes com outros fatores de risco, como obesidade, sedentarismo, tabagismo, etc.
Uma revisão de dados epidemiológicos mostra que o mecanismo biológico protetor da amamentação permanece desconhecido, embora se postule que ele decorra de alterações hormonais, como redução de estrogênio; remoção de estrogênios através do fluido mamário; excreção de carcinógenos do tecido mamário através da amamentação; alterações físicas nas células epiteliais mamárias, refletindo a máxima diferenciação; e retardo do restabelecimento da ovulação.
Embora a amamentação seja um comportamento potencialmente modificável, a implicação prática da redução do risco de câncer de mama entre mulheres na pré-menopausa com duração prolongada da amamentação pode ser de importância marginal (menos de 1% de impacto), particularmente nas sociedades ocidentais.
A prevenção primária do câncer de mama é possível, mas ela depende de um conjunto de medidas para que possa ser o mais eficaz possível e, de forma muito importante, não dispensa a realização adequada dos exames de rastreamento, que embora não reduzam a incidência, são fundamentais para que se possam realizar tratamentos mais simples, menos mutilantes e com maiores chances de cura.
Para concluir, amamentar é bom, deve ser recomendado sempre, mas seu impacto como fator de proteção no câncer de mama é muito pequeno.
Ricardo Caponero
– CRM 51.600/SP
Oncologista Clínico do Hospital Alemão Oswaldo Cruz